Quais são as fontes do Direito Administrativo?
*Fábio Medina Osório
O Direito Administrativo tem suas fontes nas normas jurídicas. A principal delas é a própria Constituição de 88, tanto que se fala no fenômeno da "Constitucionalização do Direito Administrativo" e, inclusive, de outros ramos do Direito.
Grande parcela do Direito Administrativo foi constitucionalizada, e nesse passo, ganhou força constitucional vinculante. A começar pelos princípios que presidem a administração pública (Art. 37 caput), mas também a exigência de publicidade nos atos administrativos e governamentais (Art. 37, parágrafo I).
Muitas outras normas de Direito Administrativo encontram-se na Constituição, tais como aquelas que disciplinam garantias de servidores públicos e agentes políticos (Artigos 37 inciso XXI, 38, 39-41, 92-100, 127, 128, 129 e 130), normas sobre agentes públicos e controle da administração pública e, ainda, normas sobre funcionamento do Estado e divisão de poderes (Art. 2, 19, 20-24, 29-31, 32-36 e 44-75 e 76-91). Ora, o Direito Administrativo constitucionalizado possui, portanto, uma necessidade de ser interpretado em conformidade com a Constituição ou, em realidade, uma hermenêutica constitucional pura.
De qualquer sorte, as demais fontes do Direito Administrativo são os tratados internacionais, as leis, as normas administrativas, os precedentes judiciais e administrativos, todos como fontes primárias.
Como fontes secundárias, apenas para complementar eventuais lacunas, pode-se mencionar o costume, a doutrina e a analogia.
O COSTUME ADMINISTRATIVO
O costume administrativo é uma prática ou comportamento reiterado adotado pela administração pública que, com o tempo, ganha força normativa e é aceito como parte integrante do ordenamento jurídico, mesmo não estando formalmente escrito em lei ou regulamento. Essa prática deve ser constante, uniforme, e respaldada por um sentimento de obrigatoriedade ou aceitação geral para que seja reconhecida como costume.
Características do Costume Administrativo:
1. Repetição: O comportamento ou prática deve ser repetido de forma consistente ao longo do tempo, criando um padrão que possa ser identificado.
2. Uniformidade: A prática deve ser uniforme, ou seja, deve ser seguida da mesma maneira por diferentes órgãos ou agentes da administração pública.
3. Aceitação Geral: Deve haver um reconhecimento geral e aceitação por parte dos agentes públicos e da sociedade de que essa prática é válida e obrigatória.
4. Sentido de Obrigatoriedade: O comportamento deve ser seguido com a convicção de que é obrigatório, não apenas por conveniência ou tradição.
5. Razão Jurídica: Apesar de não estar formalizado em um texto legal, o costume administrativo deve ter uma justificativa racional e coerente com os princípios do direito administrativo.
Tipos de Costume Administrativo:
• Costume Secundum Legem: Quando o costume está em conformidade com a legislação vigente, ou seja, ele complementa ou esclarece normas já existentes.
• Costume Praeter Legem: Quando o costume preenche lacunas da legislação, ou seja, ele age em áreas onde a lei é omissa, mas sem contrariar disposições legais.
• Costume Contra Legem: Quando o costume é contrário à lei. Este tipo de costume, em geral, não é aceito no direito administrativo, pois a administração pública deve atuar em conformidade com a legalidade.
Funções do Costume Administrativo:
1. Complementar as Normas: O costume pode ajudar a esclarecer ou complementar normas legais, especialmente em áreas onde a lei é vaga ou omissa.
2. Interpretação de Normas: Pode auxiliar na interpretação de normas jurídicas, orientando a aplicação prática de disposições legais.
3. Evolução do Direito: Serve como um meio de adaptação e evolução do direito, acompanhando mudanças sociais e práticas administrativas ao longo do tempo.
4. Consolidação de Práticas: Pode consolidar práticas que, embora não formalizadas, são reconhecidas como eficazes e legítimas no âmbito da administração pública.
Exemplos de Costume Administrativo:
• Práticas de Licitação: Em algumas situações, práticas reiteradas em processos licitatórios podem consolidar-se como costumes administrativos.
• Atendimentos ao Público: Procedimentos padronizados no atendimento ao público.
A ANALOGIA NO DIREITO ADMINISTRATIVO
A analogia no direito administrativo brasileiro desempenha uma função importante na aplicação das normas e na solução de lacunas legislativas. Quando não há uma norma específica que regule determinada situação, a analogia permite que uma norma existente, aplicável a casos semelhantes, seja utilizada para resolver a questão em aberto. Isso é particularmente relevante no direito administrativo, onde a administração pública deve atuar em conformidade com a legalidade e a justiça, mesmo na ausência de legislação específica.
Funções da Analogia no Direito Administrativo
1. Preenchimento de Lacunas Legislativas:
• A analogia é usada para suprir a ausência de normas específicas para certas situações. Quando a legislação administrativa não prevê um caso concreto, pode-se recorrer a normas que regem situações semelhantes para orientar a decisão administrativa.
2. Promoção da Justiça e Equidade:
• A aplicação da analogia busca promover a justiça e a equidade, assegurando que situações semelhantes recebam tratamento jurídico semelhante, evitando desigualdades injustas.
3. Aprimoramento da Eficiência Administrativa:
• Ao permitir que a administração atue de maneira mais flexível e adaptável, a analogia contribui para a eficiência administrativa, possibilitando respostas rápidas e adequadas a novas situações.
4. Segurança Jurídica:
• A analogia ajuda a manter a coerência e a continuidade do ordenamento jurídico, garantindo que decisões administrativas sejam consistentes com normas já estabelecidas e promovendo a segurança jurídica.
Princípios que Regem o Uso da Analogia
1. Princípio da Legalidade:
• No direito administrativo, o princípio da legalidade é fundamental. A administração pública só pode agir conforme previsto em lei. No entanto, em situações não reguladas especificamente, a analogia é permitida desde que não contrarie a lei vigente.
2. Princípio da Isonomia:
• A aplicação da analogia deve respeitar o princípio da isonomia (igualdade), assegurando tratamento igualitário a situações semelhantes, sem discriminação ou favorecimento indevido.
3. Princípio da Razoabilidade:
• A decisão administrativa baseada em analogia deve ser razoável e proporcional, considerando a finalidade das normas envolvidas e o contexto da situação específica.
Limites da Aplicação da Analogia
1. Proibição de Analogias que Ampliem Sanções:
• No direito administrativo sancionador, a analogia não pode ser utilizada para ampliar ou criar sanções, penalidades ou restrições não previstas expressamente em lei, respeitando o princípio da legalidade estrita.
2. Respeito aos Direitos Fundamentais:
• A aplicação da analogia deve respeitar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, não podendo resultar em violação de direitos assegurados constitucionalmente.
3. Não Substituição de Norma Existente:
• A analogia não pode substituir normas claramente estabelecidas; seu uso é restrito a situações onde há lacunas ou insuficiência normativa.
Exemplos de Aplicação da Analogia no Direito Administrativo
• Regulamentação de Novas Tecnologias:
• Quando surgem novas tecnologias ou métodos que não são explicitamente regulados, a administração pode aplicar normas existentes para tecnologias semelhantes como referência.
• Situações Emergenciais:
• Em situações de emergência onde não há regulamentação específica, a analogia pode ser usada para aplicar normas de situações comparáveis para guiar ações administrativas imediatas.
• Interpretação de Normas Ambíguas:
• Quando normas são ambíguas ou vagas, a analogia ajuda a interpretar e aplicar disposições legais de maneira consistente com a legislação e a prática administrativa.
O PAPEL DA DOUTRINA
A doutrina, por sua vez, embora não constitua uma fonte oficial e primária do Direito, desempenha um papel relevante no Direito brasileiro, na medida em que a jurisprudência pátria, seja judicial, seja administrativa, tem tradição de citar doutrina no corpo de sua fundamentação.
Ademais, a doutrina especializada possui força persuasiva junto aos órgãos decisórios, assim como também influência no Parlamento.
A doutrina, quando elaborada por juristas influentes e consagrados, permite a interpretação das normas constitucionais, legais e administrativas, auxiliando a compreensão do sistema jurídico e do próprio Direito Administrativo como um todo.
No Brasil, especialmente, a doutrina teve uma influência histórica extremamente relevante na formação do Direito codificado, sob influxo da cultura europeia.
Não por acaso, a doutrina influenciou reformas legislativas importantes, como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Introdução ao Direito e, mais recentemente, a Lei 14.230/2021, que introduziu a reforma na Lei 8.429/92
Outra fonte secundária que deve ser ressaltada é a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, à qual não vincula diretamente o Direito brasileiro, mas é um paradigma relevante em termos de Direito Comparado.
Da mesma forma, a jurisprudência das Cortes Constitucionais europeias é outra fonte secundária que serve de inspiração na qualidade de Direito comparado. Dessa forma, tanto a doutrina de Direito comparado quanto a jurisprudência do Direito comparado têm sido material usado em decisões judiciais ou administrativas proferidas pelas autoridades brasileiras.
Essas são, em síntese, as fontes do Direito Administrativo brasileiro.