A Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: Uma Perspectiva Substantiva e Material
Autor: Fábio Medina Osório
Introdução
A Constituição Brasileira de 1988 representa um marco na história do direito administrativo, ao integrá-lo definitivamente no ordenamento constitucional e redefinir seu papel na governança da administração pública e na proteção dos valores constitucionais. Essa transformação não ocorreu de forma isolada, mas foi precedida por intensa reflexão acadêmica e por uma defesa robusta de uma concepção ampliada do direito administrativo. Entre as vozes mais significativas desse debate está Miguel Seabra Fagundes, cujo trabalho destacou a urgência de integrar o direito administrativo ao ordenamento constitucional como uma disciplina de caráter substantivo e material.
As reflexões de Seabra Fagundes, publicadas durante o período preparatório para a elaboração da Constituição, evidenciaram a interrelação entre o direito constitucional e o direito administrativo. Enquanto o direito constitucional estabelece os princípios fundamentais e a estrutura do Estado, o direito administrativo operacionaliza esses princípios nas interações cotidianas entre o Estado e os cidadãos. Ele argumentava que, quando limitado a um mecanismo meramente procedimental, o direito administrativo não realizava seu potencial como instrumento para promover a accountability, salvaguardar o patrimônio público e proteger os direitos individuais contra os excessos do poder estatal.
Essa perspectiva estava alinhada com as aspirações da Constituição de 1988, que buscava desmantelar os remanescentes do autoritarismo e estabelecer um marco jurídico baseado nos princípios democráticos, na justiça social e no Estado de Direito. Ao incorporar o direito administrativo diretamente no texto constitucional, os constituintes elevaram seu status de um mero instrumento técnico a um pilar central da governança constitucional.
O trabalho de Seabra Fagundes foi fundamental para essa mudança paradigmática. Sua ênfase na importância da constitucionalização do direito administrativo está presente em toda a Constituição de 1988, que consagrou princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como normas vinculantes para toda a administração pública. Esses princípios não são meros requisitos formais; representam compromissos substantivos com a transparência, a equidade e a utilização eficaz dos recursos públicos.
Além disso, Seabra Fagundes defendeu uma compreensão ampliada do direito administrativo como mecanismo de salvaguarda da integridade pública. Ele enfatizou a necessidade de mecanismos claros de responsabilização, incluindo a responsabilidade compartilhada entre servidores públicos e o Estado em casos de condutas irregulares. Suas propostas para a criação de órgãos deliberativos e sua defesa de processos de seleção meritocráticos para o serviço público foram contribuições visionárias para os debates que moldaram o marco constitucional.
A constitucionalização do direito administrativo sob a Constituição de 1988 reflete tanto os insights teóricos de estudiosos como Seabra Fagundes quanto a necessidade prática de reformar a administração pública brasileira. A Constituição não se limitou a codificar regras procedimentais; ela também conferiu ao direito administrativo uma dimensão material, permitindo que atuasse como veículo para proteger valores constitucionais, promover a justiça social e garantir o funcionamento adequado da administração pública.
Este artigo examina a constitucionalização do direito administrativo sob uma perspectiva contemporânea, reconhecendo suas dimensões formal e material e sua evolução como um ramo substantivo da governança constitucional. A discussão inicia-se com a análise das bases estabelecidas por pensadores como Seabra Fagundes, cujas ideias ajudaram a moldar o papel do direito administrativo no ordenamento constitucional. Em seguida, explora as dimensões dualistas do direito administrativo—formal e material—destacando sua relevância na regulação da administração pública e na proteção dos valores constitucionais. Por fim, o artigo analisa os princípios que regem a administração pública, demonstrando como contribuem para um marco jurídico moderno e eficaz, que transcende os limites tradicionais e responde aos desafios da governança contemporânea.
As Bases do Direito Administrativo na Ordem Constitucional
A elevação do direito administrativo pela Constituição de 1988 é um testemunho de seu papel crucial na governança moderna. Ao incorporar princípios como accountability, legalidade e eficiência no texto constitucional, os constituintes asseguraram que o direito administrativo atuasse tanto como estrutura reguladora da administração pública quanto como mecanismo de proteção dos interesses públicos. Esses princípios, consagrados no artigo 37 da Constituição, servem de alicerce para um sistema jurídico que equilibra a autoridade estatal com a proteção dos direitos individuais e a promoção do bem-estar coletivo.
A Constituição também introduziu mecanismos inovadores para assegurar a accountability na administração pública, incluindo disposições para o combate à improbidade administrativa (artigo 37, §4º). Esses mecanismos evidenciam a dimensão substantiva do direito administrativo, permitindo que funcione como guardião dos valores constitucionais e como fator dissuasivo contra práticas ilícitas.
Por meio desse marco normativo, o direito administrativo tornou-se ferramenta essencial para alcançar os objetivos mais amplos da Constituição: transparência, justiça social e Estado de Direito. Ele opera não apenas como instrumento regulatório, mas também como protetor do interesse público, garantindo que a administração pública esteja alinhada com os princípios e valores consagrados na ordem constitucional.