Fábio Medina Osório
O Anteprojeto de Lei do Processo Estrutural traz inovações importantes em relação às ferramentas processuais já existentes no Código de Processo Civil (CPC) e na legislação processual em geral. Essas inovações buscam resolver as limitações das ferramentas atuais, que não são suficientes para lidar com a complexidade e a natureza contínua dos litígios estruturais. A seguir, destaco as principais inovações do anteprojeto:
1. Conceito de Processo Estrutural
O anteprojeto introduz o conceito de processo estrutural como uma categoria específica de litígios que envolvem violações sistêmicas de direitos fundamentais e que exigem uma reorganização institucional ou política. Isso é uma inovação em relação ao CPC, que não distingue expressamente os processos estruturais dos processos individuais ou coletivos comuns.
Inovação:
• Reconhecimento formal de que certos litígios exigem uma abordagem processual contínua e flexível, ao contrário dos processos tradicionais, que buscam uma resolução única e final do litígio.
2. Plano de Ação Estrutural
O anteprojeto introduz a necessidade de elaboração de um plano de ação estrutural, que deve ser detalhado com metas, indicadores de desempenho, cronogramas e a definição de responsabilidades para a implementação das medidas necessárias. Esse plano é supervisionado pelo juiz ao longo do tempo.
Inovação:
• Plano detalhado: Diferentemente das sentenças tradicionais, que apenas determinam a obrigação de fazer ou não fazer, o anteprojeto exige a elaboração de um plano detalhado que será implementado de forma progressiva, com metas verificáveis e indicadores de sucesso.
• Supervisão judicial contínua: O juiz não apenas emite a decisão, mas continua acompanhando o cumprimento das metas e a implementação do plano de ação, com possibilidade de revisões.
3. Flexibilidade e Adaptação do Procedimento
O anteprojeto prevê que o procedimento em processos estruturais deve ser flexível e adaptável às necessidades do litígio. O juiz pode adotar medidas processuais inovadoras e ajustar o procedimento conforme o caso avança, o que difere da rigidez dos procedimentos tradicionais do CPC.
Inovação:
• Flexibilidade processual: O CPC prevê certa flexibilidade no cumprimento de sentenças, mas o anteprojeto amplia essa flexibilidade ao longo de todo o processo, permitindo que o juiz adapte o procedimento à realidade do caso.
• Revisão contínua: A possibilidade de ajustes contínuos no plano de ação e nas decisões judiciais, com base em fatos novos ou no andamento da implementação, é uma inovação fundamental para garantir que o processo seja dinâmico e eficaz.
4. Participação Ampla de Interessados
O anteprojeto permite a participação ampla de todos os interessados no processo estrutural, incluindo não apenas as partes formais do litígio, mas também grupos impactados, entidades públicas ou privadas, e especialistas. O juiz pode convocar audiências públicas e consultas técnicas para garantir que todas as vozes relevantes sejam ouvidas.
Inovação:
• Inclusão de grupos afetados: O CPC permite a intervenção de terceiros, mas o anteprojeto inova ao garantir que grupos impactados diretamente pelo litígio estrutural, como comunidades afetadas, participem ativamente no processo.
• Consultas técnicas: O juiz pode solicitar o auxílio de especialistas ou consultores técnicos ao longo do processo para garantir que as medidas adotadas sejam tecnicamente adequadas e eficazes.
5. Diálogo entre as Partes e Soluções Consensuais
O anteprojeto coloca grande ênfase no diálogo contínuo entre as partes e na busca por soluções consensuais, inclusive incentivando a celebração de acordos e a adoção de métodos alternativos de resolução de conflitos, como mediação e negociação. Isso representa uma inovação processual, já que no modelo atual as decisões judiciais são, em grande parte, impostas pelas sentenças.
Inovação:
• Solução negociada e gradual: O anteprojeto foca em encontrar soluções negociadas que envolvam a participação ativa das partes no desenvolvimento do plano de ação, ao contrário do sistema tradicional, que impõe uma decisão judicial de forma unilateral.
6. Técnicas Processuais Inovadoras
O anteprojeto permite que o juiz utilize uma série de técnicas processuais inovadoras, adequadas às peculiaridades do litígio estrutural, tais como:
• Reuniões de saneamento compartilhado para definir pontos de consenso e dissenso.
• Consultas comunitárias e audiências públicas, que permitem a ampla participação de todos os interessados.
• Nomeação de peritos e consultores especializados, com o objetivo de auxiliar o juiz e as partes na implementação das soluções técnicas adequadas ao litígio.
Inovação:
• Audiências públicas e consultas: Embora o CPC permita a oitiva de especialistas e a realização de audiências, o anteprojeto inova ao exigir que o processo seja mais participativo e aberto à sociedade, especialmente em litígios que impactam grandes grupos ou setores sociais.
• Reuniões de saneamento: O anteprojeto incentiva a realização de reuniões de saneamento para organizar o processo de forma colaborativa, o que não está previsto de maneira específica no CPC.
7. Supervisão Judicial Contínua
Diferente dos processos tradicionais, onde o juiz emite uma sentença e, em geral, não acompanha de perto o cumprimento da decisão, o anteprojeto prevê que o juiz mantenha uma supervisão ativa e contínua da implementação das medidas determinadas no processo estrutural.
Inovação:
• Papel do juiz: O juiz assume um papel de gestor do processo, garantindo que as medidas adotadas sejam implementadas de forma eficaz e que o processo atinja seu objetivo. Isso contrasta com o papel passivo do juiz no modelo tradicional.
8. Encerramento do Processo e Monitoramento das Medidas
O encerramento do processo no anteprojeto só ocorre quando houver demonstração de que as medidas implementadas resultaram na proteção efetiva dos direitos violados. Isso é inovador em comparação ao modelo tradicional, onde o processo é encerrado com a prolação da sentença ou a execução das obrigações de fazer/não fazer.
Inovação:
• Monitoramento até o cumprimento completo: O processo não é extinto imediatamente após a sentença, mas continua sob a supervisão do juiz até que se demonstre a efetiva implementação das medidas necessárias e a solução do problema estrutural.
9. Aplicação ao Processo Penal
Uma inovação importante do anteprojeto é a aplicação dos conceitos de processo estrutural também ao processo penal, especialmente em casos que envolvem habeas corpus coletivos ou a necessidade de reorganização institucional em virtude de violações de direitos nas áreas penal ou penitenciária.
Inovação:
• Integração com o processo penal: O anteprojeto estende os princípios e as técnicas do processo estrutural ao âmbito penal, o que é inovador no direito brasileiro, pois permite que problemas estruturais no sistema de justiça criminal sejam abordados de forma contínua e supervisionada, como no caso de condições degradantes em prisões ou violações de direitos de grupos vulneráveis.
Conclusão: As Inovações do Anteprojeto
Em síntese, as principais inovações do Anteprojeto de Lei do Processo Estrutural em relação às ferramentas processuais já existentes incluem:
* Criação do conceito de processo estrutural, adaptado a litígios complexos e de grande impacto social.
* Elaboração de planos de ação estruturais, com metas e cronogramas claros, sujeitos à supervisão contínua.
* Flexibilidade e adaptação processual ao longo de todo o litígio, permitindo ajustes conforme a evolução do caso.
* Participação ampla de grupos impactados e especialistas, garantindo que as soluções sejam adequadas e participativas.
* Ênfase em soluções consensuais e no diálogo entre as partes, buscando acordos e a participação ativa de todos.
* Técnicas processuais inovadoras, como audiências públicas, consultas comunitárias, e reuniões de saneamento compartilhado.
* Supervisão judicial contínua até que as medidas implementadas sejam efetivas.
* Encerramento do processo somente quando for demonstrada a proteção concreta dos direitos.
* Aplicação ao processo penal, ampliando o uso das técnicas estruturais para questões de natureza penal e penitenciária.
Essas inovações visam resolver as lacunas e limitações das ferramentas processuais tradicionais, proporcionando uma resposta mais eficaz e contínua a litígios estruturais e de grande impacto social no Brasil.